domingo, 26 de julho de 2015

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 O estalar da minha coluna reta - tentativa vã de existir linearmente - incomoda os ouvidos alheios de quem estaria por perto, embora não esteja sequer uma vivalma presente. A respiração dos tempos inibe as cantigas internas de quem já se permitiu deixar algumas portas baterem por descuido apenas, apenas por pensar que as falas se repetiriam algum dia de janeiro. Coincidências, ah, as inquietas coincidências da vida, são apenas fruto de um acaso frívolo e inquieto? Eu deveria acreditar? Eu deveria...continuar a frase? Não, deixemos de lado os términos, eu funciono bem com as reticências, com dois pontos, até com exclamações, mas não com pontos finais. Dar continuidade é terminar, terminar é inibir a vida de acontecer gritando bem alto. Que grite, estoure os tímpanos da raridade de existir de uma só vez, jorrando intensidade nos espelhos que se partem e espatifam em grãos arenosos. Eu queria nunca ter existido, existir não é o suficiente, eu quero a grandiloquência das palavras impossíveis, daquelas inexistentes, dos parágrafos tortos, das linhas quebradas, da pontuação fora de lugar, da experimentalidade do querer. Quero precisar abafar os gemidos da inconsistência noturna, só para constatar que ainda assim o barulho é ouvido, e é melhor deixá-lo em sua potencialidade para ser - um grito, um grito merece ser ouvido. 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sonoler


  Sentada na cama, com os pés desnudos e a alma carcomida pela falta de passado, ela era uma cascata de presentes plurais palavras sussurros emblemas margens imagens. Sonolia enquanto se despedia das roupas, envolta em êxtase. Se perdia (pausa) nos mais singelos toques de outros (pausa) toques infinitos de outros entre outros (pausa) sussurros (pausa) manchas alvas na roupa de cama (pausa) na sua distância (pausa) e na proximidade dos olhos e das palavras. Fechados, eles eram infinitos e viam além mar. Além terra ela era e se mesclava aos pontos de vida amarrados em todos os organismos vivos e não vivos (ou mais vivos) que sua cegueira permitia. Entrevia a si mesma numa planície deserta, munida de seus silêncios perpétuos, de sua escrita indomável, de seus leões internos que arranhavam dolorosamente seu âmago em carne viva (viva!). Despossuía a si mesma pelo traço mental das palavras nunca escritas numa folha de papel, mas escritas no anonimato das ações não ditas, primitivas, das mãos guardadas junto ao corpo esquentado pelos desejos da escrita pelos desejos das palavras pelos desejos da singularidade comum a todos aqueles que fiam no tear do destino. Lia em fogo alto, escrevia em explosões corridas, era um só processo de mesclar a dor ao gozo à fertilidade da terra ao medo aos hiatos que a vida dava de graça numa tarde escura que doía de tanto a dizer.

Em todos os silêncios
emudeço em todos 
em todos os embaraços
me esqueço em tudo
em todos os cantos
silencio em prantos
meu medo
é esquecer da dor
de gerar do ventre
alguma inquietação na alma
alguma alma nas entrelinhas
no entrever dos tempos
despossuir o sentido
incalculável