terça-feira, 30 de julho de 2013

Proibido apagar


 Levantou da cama com aquela preguiça matinal habitual. Sua cabeça latejava de ter passado a noite anterior escrevendo mais umas linhas para seu artigo. Uma noite regada a gim e palavras que eram vomitadas em pequenos e doloridos partos à luz de um abajur azul celeste. Seus pés nus tocaram o chão frio, o que provocou um desconforto maior do que aquela dor constante. Seguiu em direção à cozinha, passou um café forte que inundou sua casa inteira com cheiro de manhã de domingo, e logo em seguida acendeu um cigarro, que passava por suas mãos, beijava seu lábios secos e cansados, com um tédio absoluto. A fumaça que ziguezagueava por seu rosto de pele clara parecia uma locomotiva velha e cansada, sem rumo, sem vontade, sem razão. E ela diariamente se perguntava o por quê de ficar pondo entre sua boca aquele objeto inanimado. No seu íntimo, sabia que assim como o cigarro que queima e se acende na sua inutilidade, ela também se inflamava e se apagaria em um piscar de olhos entre os lábios de alguém. 

sábado, 27 de julho de 2013

Gosto de fim

Se é assim que termina o que mal começou, não há muito o que fazer. Eu já arrumei as malas pra pegar a estrada mais curta. Arrumei e me desprendi das matérias mundanas, e logo poderei sorrir, depois de me despedir do que é imaterial e afoga meus olhos em lágrimas quentes, daquelas que ardem e pulsam e corroem a pele solitária. Não sei ainda como dizer adeus, ainda não fui capaz de pousar palavras no papel e traduzir a saudade que já consigo sentir na língua. Talvez, quando chegar a hora, eu sequer me lembre da falta que esses sonhos farão dentro do meu peito. Talvez eu sinta falta das pulsações e da quentura próprias das respirações alheias. Mas pode ser que seja tão rápido e sutil que todas as palavras sugadas cessem em um eterno sibilar da ausência.

Corpo doído

Os sentidos vão se perdendo assim como minha visão, que vai ficando turva e faz meu corpo titubear. Não tremo de medo não, eu tremo porque meu corpo vai ficando frio e perdendo a cor. As rosas escarlates jorram do meu cerne como pequenas cachoeiras intermináveis, e tudo escurece. Se eu tive medo já não me recordo, mas espero um dia encontrar aquela paz que sempre busquei...

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Dos ossos largados


 Se passou a ser uma tortura, se despeça. Peça as contas. Não faça. Caminhe pra longe. Faça as malas. Peça por telefone. Mande uma carta de despedidas. Não insista não que já não faz bem. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Reforma dos cacos internos


 Minha casa tem cheiro de chá quente de amora, tem cobertores e almofadas para esquentar até nas noites mais gélidas, tem biscoito de baunilha em cima da estante e uns mirtilos com açúcar para adoçar a boca mais amarga que existir nesse mundo. Aqui não existe tempo sem música, e ela acompanha o humor dos presentes, ou até mesmo se opõe para equilibrar. Ela ainda tem umas partes sem pintar, umas telhas fora do lugar, umas goteiras para consertar. Pouco a pouco vou dar a forma que eu quero ao lugar que vivo, curando as feridas das paredes, os estilhaços dos vidros, limpando a sujeira que se encontrava debaixo dos tapetes. Essa casa sou eu.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Com a mochila na mão e meu corpo estirado no chão


 Ela virou as costas. Virou, isso mesmo, com uma leveza que é só dela. Simplesmente virou e saiu andando. Eu ainda segurava sua mochila entre os dedos, e foi só ela partir que tudo escorregou. Meu mundo escorregou, a mochila, meu corpo, meu chão. E eu só senti um vão se abrindo desmedidamente debaixo de mim. Eu entrava então em um universo paralelo, em uma dimensão que me transtornava por dentro, me dava cãibras internas e pequenos ferimentos no peito. Eu sorri. Era um sorriso dolorido, sabe? Daqueles que de tanta dor a gente ri. Gargalhei no meio da praia deserta. Eu, sua mochila e meus fantasmas. 

domingo, 21 de julho de 2013


 Como sinto saudade da sua calmaria, dos seus sorrisos soltos, da minha cabeça no seu peito antes de dormir, de dividir a coberta com você, de dividir os segredos, das conversas da madrugada, das mãos dadas na rua...

sábado, 20 de julho de 2013

I've created my own prison

O cheiro que está na minha parede não sai. Seu chinelo jogado no armário continua ali, escondido das minhas vistas, é o certo. Sua foto ainda permanece na minha estante, e por quê? A toalha que você usou ontem ainda está pendurada no varal, e ainda tem o formato do seu corpo. Por que?, você me perguntou. Desculpa se não tenho a resposta. Desculpa se nossas possibilidades se esvaíram e rolaram feito lágrimas tardias ralo abaixo. Minhas mãos ainda estão arqueadas, no formato que permite o encaixe das suas ali. Dói, mas silenciosamente. É uma dor necessária. Se eu virei as costas e te deixei seguir seu caminho não foi por puro altruísmo, nem por puro egoísmo, é que não dava mais para conviver comigo mesma e com minhas dúvidas. Preferi ir embora enquanto ainda havia sorriso, enquanto havia desejo, enquanto havia amor. E ainda há. Não importa o quanto eu diga que ergui minha cabeça, porque eu vou seguir com ela levantada, mesmo que as lágrimas pesem e algumas vezes eu precise abaixá-la para secá-las. Vai doer, meu bem. Vai doer em mim, em você, em nós. Ninguém disse que seria fácil. Ninguém disse que teria volta. Ninguém disse nada, porque tudo entre nós sempre foi tão espontâneo, tão aberto, tão real. Podem julgar de fora, podem dizer o que for...o que tivemos foi sincero. O que tivemos foi amor. E ainda é. Mesmo que não fiquemos juntos nunca mais. Mesmo que...

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Aquele pequeno sentimento nômade que me habita


  Essa incapacidade de me tornar parte da terra me consome, mas ao mesmo tempo me deixa com um gosto de vento no corpo. Sou mais das possibilidades, das mudanças de rotas, das fugas, das estradas, do ar. Não quero - e garanto que não vou - passar muito tempo parada junto com o relógio que estava no meu pulso há algumas horas atrás, tempo esse que não sei ao certo definir, exatamente por não estar funcionando. Quero viver com esse frio na barriga, com essas indefinições, com minha rota a favor das mudanças. Isso é o que me mantém viva. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Jeito de serra


Ele arranca palavras da minha boca sem que eu queira confessar. 
É aquela telepatia inexplicavelmente vergonhosa.
Ele vem de mansinho e me envolve num abraço gostoso daqueles que pedem uma manhã de sol e frio.
É aquele carinho que de tão lindo dá vontade de chorar.
Ele segura minha mão e faz com ela flutue, transcenda, ilumine a estrada mais escura.
É aquela cumplicidade que não se apaga.
Ele fica lindo até escovando os dentes.
É amor de fim de tarde.

Você tem jeito de serra, cobertor e felicidade múltipla. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Véus, máscaras e cantigas

Por detrás dos arbustos
eu a vi
o rosto escondido 
por trás dos cabelos negros
negros e curtos
cabelos de véu

Por detrás das máscaras
a encontrei
perdida
a cantarolar cantigas antigas
estava fora de si
e assim se foi

Por um segundo só
quis perguntar
onde seu sorriso tinha se agarrado
mas preferi manter distância
de mim mesma

Copo de realidade


Pede mais uma copo
porque sozinha hoje não ficarei
nos teus olhos vejo estrelas maltadas
daquelas que, de tão maltratadas,
se misturam ao líquido 
da minha boca
e transmutam
e permutam
e perscrutam
nessa confusão mental
chamada realidade

Pontos embriagados


Era arrepio de fim de dia
Começo de noite que não termina
como eu queria
poder esquecer tudo
fugir pra longe
me perder aqui dentro
nessas borbulhas 
nessa embriaguez perpétua
nessas batidas que já de tão gastas
não me pertencem mais

Era medo de (re)começar.

Dos cobertores e quenturas da noite

 Vou deixar a porta azul destrancada...É, aquela dos fundos, depois da área de serviço. Tem bolo de aipim em cima do fogão, acabou de sair do forno, não vai queimar a ponta dos dedos. Cuidado com o degrau antes de chegar na sala, você sempre tropeça ali, meu bem. Depois do banho, pendura a toalha no banheiro, pra não ficar úmida na hora que for tomar outro. Pode, pode sim. Deixa a sua roupa pendurada na cadeira do quarto, sem problemas. Desliga a televisão antes de dormir. E fica essa noite aqui, enrolado num abraço quente como uma xícara de chocolate, tão doce quanto nós, tão cheia quanto nosso amor. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013


Me sentia como se flutuasse nas asas da vida. O vento batia em meu rosto, os cabelos despenteados ganhavam movimento a cada metro percorrido, os óculos de sol barravam o excesso de luz. Hoje eu fui da desmedida. Quis o melhor, a cada segundo, enquanto me perdia no seu sorriso. Eu me perdi no meio das flores e me desmanchei em alegrias a cada passo percorrido. O sol apareceu, tímido, como se pedisse permissão para sair. E eu permiti. Permiti que seus dedos traçassem linhas em volta do meu rosto, permiti que você conhecesse um pouco mais de mim que eu sequer sabia ser possível revelar, permiti respirar livremente, sem pesos, medalhas e correntes no peito. E me senti livre ao seu lado, com seu cheiro de praia, com seu gosto de estrada, com seu corpo colado ao meu.  

terça-feira, 9 de julho de 2013

Mar de concreto


Você demorou seus olhos em cima dos meus. Enquanto nossos sorrisos se desmanchavam em despropósitos, propositalmente pousei minhas mãos nas suas. A sutileza dos toques transformava minha pele em moradia para a permissão. E eu permitia cada vez mais sua presença dentro de mim. Eu abria minha guarda e respirava fundo para tomar mais um pouco de ar. Era difícil não carregar minha munição com sorrisos e palavras doces, porque você causa isso em mim. Quando eu penso em ir embora, você me puxa pra perto, e com esses braços de estrada e me oferece uma viagem para sua vida. E antes de responder, já sou carro, e navego pelos mares de concreto das nossas possibilidades.