terça-feira, 30 de abril de 2013

Dormência cinza

Daqui vi dois pombos em pedestais
com suas penas de petróleo
seus olhos feito punhais
desfilam toda a arrogância, a inconstância
o pesar e a relutância
esses dois seres lânguidos
feitos de tristeza e querência
vêm buscar em suas vistas
a ausência

Aqueles dois pombos em pedestais
sufocavam meu âmago impuro
transbordavam agouros
as horas perdidas, em ouro
desencontravam pedidos
os sonhos, perdidos
não se encontram mais

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Chegadas e despedidas

E caminho com asas nos pés, em uma constância que dá gosto, em uma leveza que desperta e aflora os sentidos adormecidos. Decreto, e não menos aceito, um pedaço do mundo pra chamar de meu lugar. E então eu me torno meu próprio lugar de origem e destino. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pertencimentos e divagações febris de uma cólera reparável

 É a procura por um eu que não se materializa. Se eu tivesse respostas para perguntas que nunca fiz, se eu conseguisse respirar levemente, se eu pudesse mudar o rumo da correnteza e trazer as possibilidades de volta pra mim...Agora só me resta desse dia o gosto do café amargo, o tilintar das colheres sobre a bancada de madeira, e a meia-luz que me aquece por dentro. Eu ainda estou quente, mas dói. Dói e rasga meu peito em duas partes que não se encontram mais. E eu preciso procurar meu outro eu, antes de procurar alguém pra chamar de meu. Mas ninguém pertence a ninguém...Nem eu a mim.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Confesso


 Vou te confessar que hoje eu não acordei sentindo falta do seu cheiro, mas ao longo do dia seu rosto foi sutilmente lembrado. Posso te dizer também que eu associo pessoas à músicas, e que crio uma atmosfera única e que me faz criar laços com uma facilidade incrível. Quero te dizer que seu egocentrismo me irrita mais do que sua mania de escrever coisas desnecessárias para chamar atenção, e que eu poderia facilmente lidar com isso. Devo admitir que, quando bate um vento, imagino seus carinhos no meu cabelo. Confesso, e sem vergonha admito, que você balança minha mente, e deposita em mim as dúvidas mais inconfessáveis do universo, e que você faz meu coração explodir, e ressoar por todo o corpo as batidas mais desproporcionais e desritmadas existentes.  E por fim te peço, e em silêncio permaneço, que ignore meu jeito de fingir que não ligo quando escuto algo que queria muito ouvir. 

Corpos incendiários


  Regados a muitos cigarros e saudade, eles se despiam dos medos naquela sala de estar. As cortinas estavam abertas, e as bebidas derrubadas no carpete agora avermelhado feito o batom vermelho que coloria sua boca. Pudor era algo que não existia em seus vocabulários. Eles gostavam de ver o mundo pegar fogo, e dançavam sem sequer ouvir uma música. Eles eram a destruição e a construção irremediáveis. Eram tão parecidos que se misturavam ao cheiro de suor, bebida e pólvora que descia pelos seus corpos incendiários. Só que durante a madrugada, depois de uma sessão de exibicionismo e alimentação de seus egos vorazes, eles caíam no sono. Ele, repousando sobre seus seios, com as mãos entrelaçadas e um sorriso de paz. Ela, com a certeza de que era possível sentir todas as coisas ao mesmo tempo.  

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Defeitos de uma casa só


  Era uma casa não muito engraçada, mas que tinha seu brilho particular. Era um pouco torta para a esquerda, e a pintura não estava em dia, assim como as telhas que quebravam com facilidade. A casa guardava alguns animais dentro dela - alguns muito difíceis de domar, e que requeriam um certo cuidado com as palavras. Ela possuía um cheiro só dela, que não era de mofo, nem de rosas, mas de intensidade. Guardava também flores em seu interior - só as amarelas - que fingem que são pequenos sóis à luz de velas, quando a noite cai. 

domingo, 21 de abril de 2013

Das cortinas abertas pra leveza entrar



 Acordei com a cortina aberta pela metade, com uma pequena brecha pro sol entrar. Eu não pedi muito, só que a vontade de acordar fosse maior do que a vontade de dormir, e que eu acordasse pensando em mim, e esperando me fazer feliz. As situações difíceis vão ficando para trás, e meu sorriso leve de antes agora flutua feito pena translúcida. Me sinto leve assim como ele, e caminhar não passa de uma mera expressão do meu estado de espírito. Meu medo de prosseguir vai diminuindo até só sobrarem os sonhos. Esses que eu jamais esquecerei. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

E se antes eu não sabia o que fazer com os braços ao andar, agora minhas pernas travam.
Não gosto de pontos finais. Tenho certa tendência ao uso de reticências. O ponto final me causa uma pontada no peito, e me lembra uma pequena morte. As reticências, um recomeço. Porque enquanto se está vivo, a roda gira e nunca para. Nunca. 

domingo, 14 de abril de 2013

A mulher que não envelheceria

Quando eu envelhecer
vou pintar minha casa de verde-limão
e escrever em todas as paredes, no fogão
no teto, na cortina, no chuveiro, nos biscoitos
detalhes da minha história
vou roubar flores do vizinho
vou cozinhar para o cachorro
e ai de quem reclamar

Quando eu envelhecer
não vou querer mais saber de morrer
muito menos vou temer
o que hoje já não temo
te juro que não tremo
só de frio
e de pensar

Quando eu envelhecer
minha voz vai ser grave e aguda
vou ser vida e solidão
vou ser escada e rodapé
e pra me reerguer
bastará saber que sou mulher.

Barulhos constantes

É no silêncio que eu me encontro
despida de ruídos
livre de incômodos
externos
os internos me fazem inteira
e é no silêncio
é no silêncio que eu me escuto

Trôpega de cansaço
no silêncio eu me desfaço
me recomponho
me edifico
no silêncio eu sou Cecília
sou Bukowski
sou Leminski
e mais um pouco de tudo
que não encontro mais em mim

Eu não me encontro mais em mim. 


Nas asas de uma onda

Entre o sim e o talvez
Entre o não e o porém
Entre brechas e despedidas
palavras são expelidas
feito lavas de um cerne em erupção
no meio desse caminho
tinha um pássaro
e não uma pedra

Ele alçou vôo
e antes me agarrou pelos braços
puxou com um tremenda força
a pele cedeu
ele foi e eu fiquei
com a cicatriz de uma tentativa
lhe disse que voar já não sei, nunca soube
nunca fui nuvem
agora sou onda
e meus vôos marítimos são o prenúncio
da recuperação

Não olho mais para trás
as inquietações se dissolvem
feito estalos em mim
eu provei que sou água que condensa
ainda posso ser nuvem
ainda posso ser perda
ainda posso ser sua.

sábado, 13 de abril de 2013

Detalhes de uma casa fora de ordem


O copo sujo
O tapete bagunçado
Teu cabelo como um ninho de andorinhas
Vai e volta com o vento
Não sei mais se fico ou se sento
Não sei se vou ou se passo
Não te seguro nas mãos
Você é pássaro livre
Nuvem que passa
Mas que deixa em mim
O rumo das notas
Embotadas em minha pele.

Reticências

Gosto do inacabado
daquilo que é remendo
das noites que estalam
das portas que sussurram
no início dos tempos
o fim das horas
torneiras quebradas
passados turvos
uma roda gigante
que cabe todos meus eus
e todos os seus
risos sinceros roubados pedidos
de algo que jamais te pertenceu

Aquele caminho te trouxe,
mas de mim roubou o sono
e as noites mal dormidas
inconstantes me roubaram o viço
que já não é a aparência - o desejo
já é o primeiro suplício
que foi voltou ficou
transformando a calmaria apática
em languidez morna
línguas líquidas
perdas irreversíveis
e um pouco do que fui
em mim e só.