quarta-feira, 18 de junho de 2014

É só o cair da noite me envolver numa névoa tardia que enlouqueço - ou penso. A cabeça lateja, os ossos doem, as mãos esfriam e o colo esquenta rapidamente. Ali a respiração é engessada e por mais que tente acalmar a inquietude agoniante, tudo é em vão. Sem direção eu sigo no escuro. Meu escuro me guia e me mata dia após dia. Se posso ser sol, posso ser nuvem preta e carregada e não há mal nenhum nisso. Já há mal em não haver mal nenhum e na relatividade de cada passo não dado. Não significará nada ter rido num segundo a mais e tremido num a menos? O presente me interessa e me revolve, mas não é o suficiente. Suficiente...em estado de constante insatisfação eu me movo para lugar nenhum. E vivo no não-lugar da existência bombardeada de analgesia alheia, não para mim. A dor real é fictícia, eu sinto. Me perfuro na tentativa de não extinguir a sensação de estar e de um dia ser...de um dia não ser mais. 

terça-feira, 17 de junho de 2014

 Sem nome. Ela não poderia ser nomeada naquele vendaval de silêncio e impossibilidade. Seu grito transbordava por seus poros e cascateava em forma de suplício. Nada era preciso, sequer a força de uma palavra. Era a força bruta, o enrolar e desenrolar de olhares no ar que bastava. Bastava? Insaciável era ondular espirais de cheiros e vontades no ambiente. Janelas abertas, livros, torneiras e ouvidos, mas os olhos se mantiveram fechados por pura apreciação dos outros sentidos, por pura experimentação de manter o toque apenas toque e o cheiro apenas percepção no meio daquele turbilhão de clichês e repetições insaciáveis. Dentes, unhas, o roçar de peles quentes ardia, queimava, desenhava marcas ubíquas e permanentemente solitárias. Seu olhar fixo no vidro sujo da janela se esvaía em poeira e já não estava mais ali. Nunca esteve. Ritual de contemplação comum. Um não no sim convencional. Pena. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Proibido sentir

Corpos solitários e embutidos em armários empoeirados no horizonte silencioso e magro. Corpos fadados à decomposição evitam outros toques para manter a discrição. Um toque desmorona, eletrocuta e causa espasmos de desconforto. Um estranho encostar no braço na tarde quieta. Um esbarrar de dedos que deslizam leves pela palma da mão sem ensaios e salamaleques. Desenho os traços da face de um corpo inexistente. Para onde levaram a sensibilidade? Elevaram o homem o homem intocável, o homem insensível, o homem inflado de pudores. Não encoste aqui. Distância. Silêncio. Calaram o homem quente, aquele que abraça, que beija, que é. E ser é não pensar em estar sendo, nem em como seria, muito menos em como foi. O toque nada mais é que um pedido - a alma clama, reclama, deseja, anseia. Está frio. Ela necessita da fusão da entrega. Mas o homem silenciou a vontade. Silenciou a vida. Proibiu a transformação sem palavras. Vou na contramão. 

Ponteiros envenenados

As pinceladas do relógio gritam meu nome
inconformado, o tempo me puxa pelos cabelos
cada fio repuxado arde, pulsa, martela
eu me arrasto
danço
tremo
não sou levada

Finco os pés
nessa areia densa, suja, molhada
areia pesada
pesada como o fardo 
de carregar o tempo no bolso
por ele se dragada 
todos os dias

Se soubessem
Ah, se soubessem!
como meus olhos ardem
como hesitar é fácil
como gritar é LIBERTADOR
gritariam mais com ele
ele, o tempo

não seriam mais puxados
controlados
magoados
pelos ponteiros
pontilhados
infinitos
solitários
tristes
inventados



terça-feira, 3 de junho de 2014

 Me despedi dos sentidos e sentindo o insensível me sensibilizei com a simultaneidade das sensações irradiantes debaixo dos meus pés gelados. Perscrutei cada canto e libertei as máscaras da minha loucura que ocorre dia sim,dia não contra minha vontade.Ah, se eu pudesse somente ser e não pensar em ser. Ilusão! Pensar em ser é já nada mais que um porém sinestésico e impecavelmente apático - aparências. Nessa existência mesclada em brisas ululantes e robustas me desfaço em pétalas, me despedaço em farelo de vida, me seguro com sofreguidão e urgência - tamanha prepotência! A auto defesa é o ego ácido corroendo argumentos, embalando âmagos embutidos em falácias fora do prazo de validade, é o poeta cuspindo antíteses que afogam minha paciência em óleo requentado - opiniões, opiniões! Quem não as tem e não as teria? Quisera eu me calar e calar os ouvidos, perfurá-los com o caule de uma rosa e deixá-lo ali, morto, só para morrer outra vez. Putrefatos desejos,pulsões e mesquinhez. O fim é só o fim e a ilusão de começo me enoja ao reconhecer no olhar do estranho outro a esperança de recuperação idealizada. Eu rio, desfiro cambalhotas e não socos como quis de fato. Contive-me.