quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Quebrar

 Sua voz é poesia concreta, seu suor é fantasia abstrata que retrata um quebrar do vento num dia de chuva ensurdecedora. Seu beijo é sussurro escondido, é segredo, é legenda de um filme intraduzível, é pesar, é prazer de revelar um pouco de vida que jorra imensuravelmente da mesma fonte sem cessar.

sábado, 24 de novembro de 2012

Fabulação (in)consciente

 Hoje acordei com saudade do que nunca fui. Saudade de alguém que nunca serei, e que não quero. Esse ritmo complexo, inquieto, desconexo de ser me rende algumas dores nas costas, um peso que carrego e que consome a dor que jamais senti. Decidi que não posso - e que prepotência crer que um dia isso aconteceria! - querer ser simples, se no cerne sou mais do que complexa. O mais difícil é não deixar a complexidade se tornar algo nocivo, porque desde o momento tomo consciência da minha pequenez e minha ignorância, descubro que pensamentos são perigosos, quer eu aceite isso ou não. Eles me fazem acreditar no que foi fabulado pelo meu próprio eu, e me trazem dúvida. Pensar inquieta, pensar deteriora, mas salva - ou engana.

domingo, 18 de novembro de 2012

Contradiz

  Foi um custo acordar hoje e tirar o peso das pálpebras que insistiam em fechar ao balanço do barco cor de céu. Ele sacudia feito melodia, e me levava ora pra lá, ora pra cá, murmurando poesias em meus ouvidos. Eu me sentia meio concha, escondendo algo para que ninguém visse nunca, e nunca tirasse de mim. Eu escondia a sete chaves na minha mente, e agora tudo se mostra. Eu me sentia parte do mar, eu era parte daquilo sim, meu bem, era parte daquela imensidão incontrolável, porque apesar de tudo eu era assim também. Era maré cheia, era maré mansa, era azul, verde e marrom. Era pedra que fura, mão que afaga, olhar caído. Meus olhos não eram de ressaca, embora eu estivesse me sentindo assim, apesar de tudo que havia acontecido antes, e de tudo que iria acontecer. Não quis descontar o pesar na bebida, porque era só sal, era só sal na garganta, era algo insano, e eu bebia mais, e mais. Era era contradição, era roda-viva, era certeza e culpa, era insensatez e felicidade. E nesse balanço das ondas eu fui para a beirada do barco e molhei os pés, na esperança que ele me puxasse pra perto, como num abraço, e molhasse minha alma, e lavasse minhas lágrimas, e me afogasse de tanta paz.

Feito areia

 Não sei o que aconteceu naquele quarto solitário, naquelas cobertas esfareladas feito areia, naqueles travesseiros feito plumas, naquela cama de ondas que revolvem noite e dia. Não sei. Sequer lembro onde deixei meus brincos, lembro de ter colocado ao lado da cama, naquela mesinha branca cheia de livros e cabelos espalhados. Onde consegui esse seu cheiro de sal, esse seu toque macio, essas suas palavras que precipitam lágrimas? Não quero saber mais, só resta existir.

sábado, 17 de novembro de 2012

Desmancha-rotina

  Sentei no tapete e fiquei olhando através da janela a chuva cair. Eram gotas finas, quase transparentes se eu não olhasse para a luz do poste; eram gotas macias, mornas, quase como lágrimas jorrando dos olhos cor de petróleo de quem me encanta. A chuva me remete a você, ao seu jeito de cair devagarinho, seguindo um compasso lento, que aumenta com nossos batimentos cardíacos. Ela me faz lembrar por analogia do seu sorriso que desmancha feito algodão doce numa tarde qualquer, num verão qualquer, num dia rotineiro. Esse seu jeito feito chuva fina quebra a mais severa rotina dessa selva de pedra e aparece sem avisar, sem nuvens pesadas, sem trovoadas e raios, sem dor nos ossos curados, você vem e não diz - só é -  só surge e caminha feito brisa molhada no meu rosto cansado.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Devolva-me

 
 
  Corri contra a multidão. Aquela mescla de cores vibrantes engolia meu ser, que de tanto se misturar virou uma só cor. Tantos sons, cheiros, ausências, escolhas, imposições, julgamentos, tudo rodava, e rodava na minha mente zonza, meu corpo são, minha mente aérea, onde eu estava, afinal? E na brincadeira de me perder no meio do povo, não pude me encontrar. Se alguém esbarrar comigo, me devolva.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ferro e fogo

  Aquele amor que tinha gosto de fim de tarde e cheiro de café quente agora é nuvem. Não é só concessão, não é só entrega, não tem explicação. É algo que vem pouco a pouco, sem forçar, sem pressa, sem tanta expectativa. Nasce das próprias cinzas inexistentes, uma fênix sem fogo. A respiração curta se prolonga, o abraço acolhe e purga as incertezas, o cheiro comove, o peito se cura, a ferida coagula, as mãos se procuram outra vez. Sei que isso não terá fim, mesmo que termine. Você é a marca eterna da minha mente com tantas lembranças que não cabe em si mesma. Você é um pedaço do meu corpo que eu posso viver sem. Mas escolho te manter aqui, por perto, aqui grudado, aqui escondido, só para mim. Das escolhas que já fiz, você foi a melhor.

sábado, 10 de novembro de 2012

Das reticências


 Não sou de pontos finais, sou adepta das reticências. Na falta do dizer sim quando quero dizer não, digo talvez. E me embalo na sinfonia dos indecisos, das almas que se perdem no meio do caminho, mas que voltam até o ponto inicial para dizer adeus. Sempre vou e volto, meu ir nunca é definitivo. Gosto do cíclico, gosto do seu jeito destrutivo de me dizer que nunca vai acabar. E continuo arrastando meus pés em uma dança que não me dá trégua, em um rodopiar intransigente, em um tilintar de copos que não quebra.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Não somos de ninguém


Percorri os corredores extensos e parei. O vento soprou, veio por trás, e bagunçou meu cabelo todo, e eu ri. Não sei exatamente por que ri, se ri com verdade, mas aquilo me doeu. Doeu bem no cerne, que já estava anestesiado. Me arrastei até a parede, encostei e deslizei por ela até chegar ao chão. Imaginei a cena auto destrutiva, o símbolo da minha auto mutilação psicológica. E ri novamente. Mas foi um riso de desprezo, de angústia, foi meu momento de epifania. Você não é para mim, não somos para nós, não somos de ninguém. E fim.

Cortinas fechadas



Quando acaba

É porque tinha que acabar

A coberta sem forma

O quarto em ordem

A ausência

O desprendimento que solta

O amor próprio que vem

O solilóquio que chora

Amar nem sempre faz bem