quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Cartas para ti.



  Uma risada gostosa e fresca reverberou do outro lado da linha. Aquilo era seu vício, seu ponto de paz, seu desejo mais íntimo.

- Só liguei hoje pra te lembrar de olhar as correspondências. - e desligou, sem sequer dar um singelo "tchau".

  Ele sempre a lembrava de pegar as cartas que o preguiçoso carteiro jogava no jardim. Mesmo com o barulho das correspondências caindo no chão, ela se esquecia. Para ela, não era nada além de um aviso, uma ordem, quem sabe. Para ele, um gesto de preocupação.
  Seguiu com passos nada apressados, abaixou emitindo um som esquisito, reunindo as cartas como um baralho. Jogou todas em cima da mesa, como de costume. Mas uma a surpreendeu...Era de um azul tão profundo quando seus olhos. Tão pequeno e delicado, com flores em miniatura rodeando a margem do envelope. "Abra-me", estava escrito no verso.
   Foi tão rápido quanto uma queda..Não deu tempo de pensar, de organizar as idéias. Estava escrito "eu te amo". Como, "eu te amo"? Ninguém nunca dissera-lhe algo tão...Forte. E a carta bonita e antiquada lembrava-lhe dos tempos de sua mãe, onde o amor era singelo e discreto. Não hesitou...Foi com a roupa do corpo em busca do remetente.
   Abriu a porta vermelha assim que o som da campainha o chamou. Sem hiatos no pensamento, a puxou para mais perto e disse-lhe em sussurros:

   - Vá olhar as correspondências hoje. Você não tem mesmo jeito...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Cheiros, sons e sabores.


 A chuva fina e quase transparente que cai deixou um ar de segredo. Segredo escondido, enterrado na terra molhada e pisoteada. O segredo se trancou, parou no tempo de tal forma que nunca mais será revelado.
 O frio repentino deixou gosto de chocolate quente com croissants fervendo de conforto. Abraço debaixo do edredom xadrez, quente como o Sol se pondo.
  Acordei esticando minhas mãos para o lado, estendendo-as para tocar seu rosto...Mas a única coisa que consegui atingir foi o travesseiro, que ainda tem seu cheiro de banho tomado. Aquele cheiro que passo horas tentando gravar em minha mente dispersa.
  Hoje o dia tem som de riso doce, de beijos inesperados, do crepitar da minha felicidade calada...Neste dia não manifestarei meus sentimentos; não falarei muito como de costume...Não segurarei suas mãos entre as minhas.

 Hoje não tem você aqui. Hoje a saudade tomou conta, substituindo o sono que costumo ter a todo tempo...Hoje o café não vai ter o mesmo gosto de ontem. Hoje sua falta foi presente. E o futuro não nos espera. Porque nos incorporaremos a ele, com toda a força, com toda a vontade do universo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Stand By Me.



  Com os olhos esperançosos, olhava ele para o horizonte. Sem se importar com outra coisa, apenas esperando, esperando o dia inteiro. Esperava quando o céu ia tornando-se rosado, esperava quando uma nuvem mais carregada produzia chuva. Esperava na tranquilidade angustiada, na calmaria do vento silencioso. Quanta prepotência fazê-lo esperar a toda hora! Cada dia era único, mas a espera era constante. Não burlava um sorriso simplesmente porque não o tinha - nem teria motivo para sorrir. Não chorava porque suas lágrimas estavam secas. Nada além da volta, nada...Sem resposta. Sentia até uma ponta de raiva por ter sido largado, abandonado. Mas quando ela voltava, de orelhas em pé ficava, saltitando com suas pequenas patas barulhentas. O estalar do piso de madeira sinalizava a volta do que tanto quis. Seu mundo, seu ponto de paz. Sua eterna espera...