segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Co(r)pos escorregadios.

 


  O copo de café virou. E não foi uma virada qualquer, onde se perde uma lasca e o uso é prolongado.
  O copo virou, e não há pedaços de vidro pela mesa; há apenas o cheiro de café com folhas como resultado de uma distração trabalhosa. Há a percepção de falha, de imperfeição. 
  O copo de café não quebrou, mas assim como o líquido vai, minha confiança algumas vezes se esvai, e fico à esmo, esperando uma sacudidela camarada, que nem sempre vem em boa hora. 
  O copo de café esvaziou, e minha vida se perdeu em alguma esquina. E essas esperanças que carrego comigo ora cooperam, ora fogem como fujo de barulhos e de comentários desnecessários.
  O copo levantou, sacudindo minhas pálpebras pesadas como o sono que vem às três horas da manhã, pois se sabe que logo mais terá que levantar da cama quente e salpicada de desejos.
  Meu copo se juntou a outros mais, recolhendo com ele meu corpo, e o cheiro do fracasso, que se despede a cada dia.
  Ainda não sei quem sou, só sei que os copos deixam de cair a medida que percebo o progresso, meu futuro, quando noto que os líquidos já não tremem mais nos recipientes, pois minhas mãos se estabilizaram.
  Meu copo mudou de cor, e sei que muitos copos ainda irão balançar com as hesitações da vida, deixando transbordar por excesso, ficar em pé pela falta, cair pelo desequilíbrio equilibrado, que é o pior, pois não se sabe onde existe o erro. 

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Bem distante, Dalí.

 

Eu, que antes estava sofrendo de escassez de palavras, agora me recupero sem aquele vão infinito. Recuperei minhas energias, minha fala, minhas idéias e agora sei que sem isso não sou eu mesma. Estava me sentindo vazia, como um ser mecanizado, que apenas obedece a voz de sua própria inconsciência. O tempo, quando não corro tanto, parece tão moldável, tão surreal, tão distante. Agora que a consciência voltou, e o ar já está purificado, eu me despeço por um momento. Porque amanhã é dia de voltar ao normal, reestruturar os relógios, e correr atrás das minhas nuvens.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Calmarias e vendavais.

       
   Largou a sacola de compras no chão da cozinha silenciosa e colorida, tirou os sapatos na sala, a blusa no banheiro, a calça no quarto. Ligou o chuveiro e deixou jorrar a água sem parar, buscando o interruptor da luz. Tateou seu corpo e nele notou a quentura de uma tarde de verão na rua lotada de pessoas; pessoas que buscavam respirar sempre o mesmo ar, porém de maneira diferente. Com ela não funcionava bem assim, Suzana preferia resguardar-se, já que seu jeito explosivo era fato decisivo para a confusão. Presa em celas particulares e cada vez menores, era como se sentia. Uma garrafa de Corona por perto era tudo que necessitava naquele momento, solidão não existia quando encontrava-se esterilizada. Mas em seu estado matinal e sóbrio, o apartamento minúsculo tornava-se gigantesco, as paredes moviam-se, afastavam-se cada vez mais de seu ser, de seu corpo pequeno e jovem. Respirar era mecânico, o cheiro já não sentia mais. Queria fugir, aquela realidade já não existia em seu cotidiano barato, tão rudimentar quando seus quadros sem sentido algum. Beber e esquecer daquela vida que sequer fazia sentido, que não lhe dava prazer, que não oferecia respostas de imediato, afogueava a alma e afogava seus devaneios hipocalóricos, fazendo-a afunilar a própria mente dia após dia. 
        Sem destino, sem lenço, sem documento, vestiu-se de qualquer maneira, manteve-se descalça, caminhou até o meio da rua, vendo seu corpo, sua falta de bom senso, sua garrafa de bebida e seus farrapos como mistura não homogênea. Jazia inerte, serena como o Lua, esperando que o vento a levasse para onde merecia. As cores da cidade misturavam-se aos seus longos e abundantes cabelos, o sereno penetrava em sua epiderme como faca. Rubro como carmim, tão indecente sua pele se encontrava. Ali estava ela em seu estado mais íntimo com o asfalto. 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ardendo que se vive

Você, que se esconde detrás do óculos empoeirado, que se desfaz pois chega atrasado, que infiltra as paredes alheias. Seis da tarde, café pronto na xícara, busca a verdade e hesita, quando nota veias saltarem. Um gole, pega uma gaita-de-fole, cospe palavras entre as lacunas desse rosto rubro e libertino. Desfaz aquela imagem que ficou do dia anterior, e meça com todo o ardor, a vontade de viver com alguém uma vida inteira. Despenca nosso sonho e aguenta, que oportunidade vem e vai com a mesma sutileza dos sorrisos de amantes eternos. Risos, borbulho no meu copo de vinho, lhe divido em muito caminhos, me divido na voz doce do mar.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cultura fútil

Algumas mudanças são tão lentas que só são notadas quando se percebe os detalhes ao invés de olhar o conjunto. Eu, aquela pessoa que sempre buscou ser contra o que as pessoas ao meu redor aconselhavam, estou me encaixando no mundo que me foi imposto. Talvez não apenas por querer, mas por necessitar. Sou obrigada a tomar certas atitudes simplesmente porque a "vida" exige. Mas não, ela não me exige nada além de ser feliz com as minhas escolhas. Só que esses parâmetros de felicidade já criados e tidos como irrefutáveis me fazem entender os motivos de tantas pessoas adotá-los como mais imaculada verdade. Sei que não mudarei o que penso definitivamente, mas tentarei lidar e entender melhor o que realmente faz sentido. Já não entendo tão pouco dessa "geração Coca-Cola" que me ampara, que tenta me revestir a qualquer custo. Não é possível haver tanta ignorância simultânea. Tem algo a mais nessa falta de consciência.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Âmago aconselhado

Entre as margens desse leito que lhe encontro, lhe peço para que a calma o contamine. Por mais que demore, por mais que a secura se afirme dia-a-dia, insista. Sei que se pergunta nesse momento o por que de lhe dizer essas coisas tão calmamente, sei que sou a pessoa mais inapropriada para aconselhar-te, porque peco pelo excesso de idéias e verbos que não deveriam ser proclamados. Me desfaço, me desarmo durante à noite. Pouco importa, mas siga à risca o que lhe foi recomendado. Seja o que não fui, porque dá tempo. Escute minha voz ao relento, como se já não houvesse mais para onde fugir.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Epifania condutora

Em pequenos espaços é possível comprimir diversas grandes memórias, transformando-as em tantas possibilidades que às vezes nos perdemos durante o percurso. Perder as memórias ou perder-se?Talvez, quando a memória é perdida, uma parte do ser se perca consecutivamente, ou o fato de perder-se pode gerar uma perda da memória. Tudo isso é identidade, é participar, é integrar-se a si mesmo, é circular em torno das mesmas experiências, é conhecer variados alter-egos em uma só mente, é segurar um fio condutor de idéias e sentir o choque contra a pele fictícia, sem soltá-lo. Uma vida sem lembranças é plausível, é tolerável. Uma lembrança sem vida é resquício.