terça-feira, 1 de setembro de 2015

Aparição

 Meu livro de poemas que mantenho na cabeceira da cama é azul com amarelo e letras brancas na capa. Ele diz: tome cuidado. Eu, na teimosia ondulada das vértebras deslocadas no meio da noite, amanheço e esqueço do perigo que a poesia me traz - o horror da consciência. Enfileiro potências em versos outros que não os meus e me deparo com o abismo do querer ser - a pronúncia desgarrada do abandono. Uma vez tomada a consciência o destino é certo, a dor é inigualável e a prosa amarga. Tomo doses diárias de versos de coragem para seguir em passos lentos o destino certo - o fim - incerto do tempo, nesse lugar em que as horas já não são mais horas e tudo passa vagarosamente. O queimar das velas é aguado, a água perfura os pulmões em brasa, o vento acaricia a poeira do ontem. Poesia é presença, aparição, presente, oferenda desnivelada das pretensões humanamente passageiras. Arte é estar.

Das voltas

O existir ali era fluidamente descuidado. O vento batia seco e desimpedido, fazia meus fios de cabelo se moverem no ar e se recolherem nos nós meticulosamente embolados. Eu pisava na areia - calça comprida, camiseta, bolsa de mão, mãos dadas - e sentia a umidade levantar meus pés desnudos e sedentos por percorrer mais um pouco daquela terra tão desconhecida por mim. A sensação de estar ali era de uma contida euforia interna que não transbordava a não ser pelo olhar marejado. Diziam que meus olhos brilhavam ao pensar na volta - eram lágrimas de queda. A flor - tão clichê - que botou entre meus cabelos e minha orelha, era tão púrpura quanto meu esquecimento de volta. O prolongamento das sensações é inútil, eu insistia. Você insistia também. Não há de voltar. O que vivi é arrebatamento intenso - extenso - mútuo, esculpido a alfinetadas precisas de dobrar as pontas. Cada brisa, cada olhar e cada gozo virou souvenir perpétuo nas recordações esquecíveis.