quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Era?

 Sua carta já não era a mesma. A mancha de café lambeu toda a superfície dela, e as letras em forma de saudade se desfizeram em um rio de lágrimas. Botei para secar, não secou. Tentei copiar do meu próprio punho, mas não consegui. A única coisa que me lembro é a sensação de frio que senti naquela sala de cinema escura, lendo com uma luz tão intrínseca que ninguém jamais descobriria que vinha de mim. Eu era choro, era riso, era isso e aquilo. Eu era tudo, e agora já não sou mais nada. Alguém ouviu chamar o meu nome?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Nuances de um dia que nunca começou


As casas multicoloridas e desfocadas pareciam ter mais cor. Você reluzia e se confundia com o sol. Era o espanto que se transmutava em pensamento cortante, perfurante, instigante.
O tilintar dos talheres na cozinha denunciava a chegada do seu perfume. Seu sorriso de madrepérola iluminava até o mais escuro beco, que tomava nova forma e nuances musicais.
Seu rosto pela metade escondia um lado que eu nunca cheguei a conhecer - talvez fosse melhor assim. Ainda dá tempo de construir peça por peça e substituir a natureza com sua calmaria de começo de dia.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Overdose

 Step.Step.Step. Era um longo caminho a percorrer. Os pés estavam em um equilíbrio bêbado, colando ao chão e fazendo pequenos estalos no piso de madeira. Ela sorria. Step.Step.Step. Uma franja meio bagunçada cobre sua testa, seu cabelo é curto e bem escuro, feito petróleo. Um fio perto da boca. Ela retira e sacode a mão para se livrar dele. Step.Step.Step. Caminha em direção à cozinha. A geladeira aberta. A maquiagem dos seus olhos escorre pela face bem clara. Step.Step.Step. Sua boca é vermelha e bem macia. Seus dentes são sinceros. Step. Sua queda no chão é repentina. Risos ecoam no andar de baixo. Tempo e espaço se misturam em uma overdose de informação. Ste...p.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quentura

 Chora, pequeno, chora. Deixa que essas lágrimas inundem seu rosto e limpem sua alma inocente. Deixa eu envolver seu corpo miúdo, e embalar seus sonhos em esperança. Chora, meu bem. Transborda toda a tristeza que você ainda nem sabe nomear - deixa a quentura do medo te inundar. Sinta. E grite com as mãos, com as pernas, com o sorriso. Mostre que a vida é mais do que um controle remoto. Caminhe com seus pequenos passos titubeantes em minha direção. E fique para o calor de um abraço com sinônimo de proteção. Vai ficar tudo bem. Eu juro.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Parto poético

  As palavras que saem pro papel doem feito pequenos partos à luz das velas aromáticas. Cada cor significa um dia a menos, e cada dia a menos uma saudade a mais. O papel em branco tinge minha pele de tinta seca, e ofusca minha visão. Só me resta insistir e deixar que as ideias surjam frescas e tardias na ponta dos meus dedos. As lágrimas que caem são do esforço, e o riso é de superação.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sobre paredes, calores e não-fins


 Você caminhou com passos determinados através da porta, era noite e eu só mantinha o abajur aceso para espantar meu medo do escuro total. Cada fio de cabelo que arrastava na minha nuca era motivo de arrepio, de olhar para trás e procurar por alguém. E não tinha mais ninguém ali, só eu e minha bagagem de receios. O prato de comida ainda estava em cima da mesa, misturado às folhas de papel, aos livros abertos, às canetas já secas pelo tempo. Algumas folhas voavam, mas eu já não me importava com nada fora de ordem, afinal a desordem também é poesia desritmada. Eu confesso que guardei tanta coisa naquelas gavetas trancadas à chave, e confesso também que demorou para me acostumar com seus defeitos que eu sequer tinha conhecimento. Demorou também para guardar seu rosto na minha mente tão fugidia, que confunde espaços com lacunas eternas, e preenchimento com fim de vida. Seus passos vinham em minha direção, e o tempo parecia infinito. Já não cabia dentro de mim tanta aceleração, e tanta expectativa, explodindo em meu sangue feito fogos de artifício. Sua expressão era de uma languidez etérea, de uma nudez profunda, sem máscaras e sem floreios. Sua pronuncia era perfeita, e seus dentes brancos reluziam ao mirar meus olhos tão escuros e já semicerrados. Eu quis fugir de você, eu quis correr, mas algo me prendeu nessa parede que me encontro. Você nunca pediu para que eu ficasse, mas continuou indo atrás de mim. E eu permiti, desejosa de que meus pés nunca mais se afastassem do seu calor. Por mais noites quentes, por mais carinhos e carícias sem despedida. Sem fim.

Véu de fumaça

 Esse balanço que vem de lá pra cá, ao sabor do vento que ultrapassa as multidões, dando voltas feito incenso queimando, em espirais de poeira que se esvai em tempo. Quando você passa eu olho, quando você volta eu esqueço que o relógio parou de funcionar e deixo minha saia rodar no ritmo dessa melancolia. O cheiro amadeirado entra e não pede pra passar, invadindo meus sentidos. Esse seu jeito de me embriagar com sua presença, em uma roda-vida de desejos ébrios e descabidos e sem pudor e deixar acontecer. Não te peço mais nada além de fechar a porta pra tristeza não entrar nessa casa. Fecha a porta e abre as cortinas desse quarto repleto de fumaça e de titubeios ao luar... Se fantasia de estrada e encaminha meus sonhos pelos trilhos invisíveis e desregrados.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Porque quero

 Seu sorriso ao entrar pelo portão da minha casa calou minha solidão. Seu caminhar parecia eterno, etéreo, infindável. Demorou até você tocar meu rosto com a ponta dos dedos, como se dedilhasse uma harpa dourada. Eram ondas que quebravam de repente, e pedidos em forma de andorinhas multicoloridas, era carinho, era apreço, era começo de caminho. E que os caminhos trilhem menos expectativas e mais flutuações em forma de leveza sem preço. Hoje, essa noite, te ofereço aquele beijo na testa e uma companhia para desfrutar as horas preenchidas.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

 Parecia tão fácil ir. Na teoria as coisas funcionam da maneira perfeita, sem arrependimentos, sem olhar pra trás, sem dificuldade de jogar as coisas fora. O caminho parece novo, o rosto erguido, o sorriso triunfante, as novas experiências. Mas vai lá aguentar a barra sozinha. Vai guardar o choro dentro da boca, vai olhar as fotos e esquecer de tantos anos. Vai ter opinião forte, quando você na verdade quer ligar o foda-se pro que todos pensam de você. Vem caminhar aqui de volta, no meu peito, me buscar nos sonhos, acariciar meus medos, devorar minha saudade, vem. E deixa tudo ser novo outra vez...

Fim?


 As lágrimas que caíam eram verdadeiras. Elas queimavam meus olhos e transformavam as labaredas em lembranças dos seus sorrisos declarados no meio da rua, dos seus carinhos na nuca, dos seus beijos feito cata-ventos ao relento. Era fácil lidar com sua alegria repentina, com seu corpo quente em um abraço forte e único, das suas palavras feito serpentina que me envolvia nas cores da vida. Não lembro quando parei de sentir o que eu sentia, e quando a dúvida permeou meus caminhos, mas dói. Dói fazer essa dor transparecer e perpassar minhas veias feito café fervente. Dói olhar nos seus olhos e deixar o carro partir, deixando apenas a saudade e um gesto de adeus. Eu fui, você foi, e tudo vai ficar assim, estranho, superficial, sozinho. O resto que vem por aí só saberá quem sobreviver nesse mundo de loucos, indecisos e apaixonados.