quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Calmarias e vendavais.

       
   Largou a sacola de compras no chão da cozinha silenciosa e colorida, tirou os sapatos na sala, a blusa no banheiro, a calça no quarto. Ligou o chuveiro e deixou jorrar a água sem parar, buscando o interruptor da luz. Tateou seu corpo e nele notou a quentura de uma tarde de verão na rua lotada de pessoas; pessoas que buscavam respirar sempre o mesmo ar, porém de maneira diferente. Com ela não funcionava bem assim, Suzana preferia resguardar-se, já que seu jeito explosivo era fato decisivo para a confusão. Presa em celas particulares e cada vez menores, era como se sentia. Uma garrafa de Corona por perto era tudo que necessitava naquele momento, solidão não existia quando encontrava-se esterilizada. Mas em seu estado matinal e sóbrio, o apartamento minúsculo tornava-se gigantesco, as paredes moviam-se, afastavam-se cada vez mais de seu ser, de seu corpo pequeno e jovem. Respirar era mecânico, o cheiro já não sentia mais. Queria fugir, aquela realidade já não existia em seu cotidiano barato, tão rudimentar quando seus quadros sem sentido algum. Beber e esquecer daquela vida que sequer fazia sentido, que não lhe dava prazer, que não oferecia respostas de imediato, afogueava a alma e afogava seus devaneios hipocalóricos, fazendo-a afunilar a própria mente dia após dia. 
        Sem destino, sem lenço, sem documento, vestiu-se de qualquer maneira, manteve-se descalça, caminhou até o meio da rua, vendo seu corpo, sua falta de bom senso, sua garrafa de bebida e seus farrapos como mistura não homogênea. Jazia inerte, serena como o Lua, esperando que o vento a levasse para onde merecia. As cores da cidade misturavam-se aos seus longos e abundantes cabelos, o sereno penetrava em sua epiderme como faca. Rubro como carmim, tão indecente sua pele se encontrava. Ali estava ela em seu estado mais íntimo com o asfalto. 

Um comentário:

  1. Será impossível fugir da solidão? As vezes penso que ela não somente está, como é parte de nós. Mas mesmo assim fugir dela às vezes é a única coisa que nos move...

    bom texto, Julia.

    um beijo

    ResponderExcluir