Você caminhou com passos determinados através da porta, era
noite e eu só mantinha o abajur aceso para espantar meu medo do escuro total.
Cada fio de cabelo que arrastava na minha nuca era motivo de arrepio, de olhar
para trás e procurar por alguém. E não tinha mais ninguém ali, só eu e minha
bagagem de receios. O prato de comida ainda estava em cima da mesa, misturado
às folhas de papel, aos livros abertos, às canetas já secas pelo tempo. Algumas
folhas voavam, mas eu já não me importava com nada fora de ordem, afinal a
desordem também é poesia desritmada. Eu confesso que guardei tanta coisa
naquelas gavetas trancadas à chave, e confesso também que demorou para me
acostumar com seus defeitos que eu sequer tinha conhecimento. Demorou também
para guardar seu rosto na minha mente tão fugidia, que confunde espaços com
lacunas eternas, e preenchimento com fim de vida. Seus passos vinham em minha
direção, e o tempo parecia infinito. Já não cabia dentro de mim tanta
aceleração, e tanta expectativa, explodindo em meu sangue feito fogos de
artifício. Sua expressão era de uma languidez etérea, de uma nudez profunda,
sem máscaras e sem floreios. Sua pronuncia era perfeita, e seus dentes brancos
reluziam ao mirar meus olhos tão escuros e já semicerrados. Eu quis fugir de
você, eu quis correr, mas algo me prendeu nessa parede que me encontro. Você
nunca pediu para que eu ficasse, mas continuou indo atrás de mim. E eu permiti,
desejosa de que meus pés nunca mais se afastassem do seu calor. Por mais noites
quentes, por mais carinhos e carícias sem despedida. Sem fim.
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