sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Construção

 Tirava cada peça de roupa como se fizesse parte de um ritual. A cortina mal fechada permitia que a luz penetrasse no quarto escuro e delineasse cada centímetro de seu corpo arrepiado pelo frio do ambiente, como em uma pintura em tons pastéis. Logo envolveu seu corpo em um vestido leve de verão amarelo, permeado de pequenas flores brancas, aquele que usava em suas idas ao parque nos dias chuva, para animar o céu, dizia ela. Ele já se encontrava largo, e as alças escorriam feito fios de ouro sobre seus ombros pequenos e pontilhados por pequenas sardas. Os cabelos estavam curtos e deixavam o vento lamber sua nuca sensível aos toques e beijos nunca pedidos. Seus passos lentos a levavam para a mesa da sala de estar, que parecia ter sido visitada dias atrás. Papéis com manchas de café, lápis jogados, restos de comida, números de telefones amassados, esboços de uma vida mal pintada, suspiros de um entardecer deixado de lado se misturavam em uma ciranda de imaginação. O que teria se perdido naquela bagunça? Tateou a mesa, guiada apenas por uma luz fraca que vinha do abajur metálico. Onde estariam seus planos? Sua vida? Continuou incessantemente à procura de suas respostas. Sufocou um grito de desespero. Sua vida, seus planos, suas perdas, eram aquele amontoado de resquícios de lembranças e saudade. Seu presente era nada além de um cheiro de café e cigarro que não saía da cabeça. Suas mãos em formato de conchas seguravam o ar: era a tentativa frustrada de pegar o futuro como se ele fosse guardável. Os grãos de areia imaginários se dissipavam de seus dedos finos à medida que o silêncio preenchia seu próprio cerne envergado. Se jogou no chão e amou aquela vida como se fosse a última. 

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