domingo, 23 de março de 2014

Seja o que flor

 Eu quero sussurrar ao pé do ouvido uma brisa fresca como quando amanhece no meio do mato. Quero ser a lembrança do cheiro da terra molhada e pisada na infância de ontem à noite. Quero me espreguiçar no seu corpo quente recém saído do forno, me esgueirar pelas beiradas da cama no meio da madrugada e desaguar no seu beijo entre as cortinas claras da sala. Eu poderia. Você poderia. Nós poderíamos ser o futuro do pretérito impreterivelmente hoje, esquecendo o amanhã, os compromissos, a fila do pão, o trabalho rotineiro, o jornal deixado na porta, o rosto lavado, a televisão ligada, o café passado, os sapatos não calçados, as meias sem par na gaveta. Mas deixemos o sorriso breve no rosto, a possibilidade perscrutar no meio da madrugada chuvosa, a janela aberta para o que não é e talvez nunca seja. Se assim flor, assim será.

Nenhum comentário:

Postar um comentário