terça-feira, 1 de setembro de 2015

Aparição

 Meu livro de poemas que mantenho na cabeceira da cama é azul com amarelo e letras brancas na capa. Ele diz: tome cuidado. Eu, na teimosia ondulada das vértebras deslocadas no meio da noite, amanheço e esqueço do perigo que a poesia me traz - o horror da consciência. Enfileiro potências em versos outros que não os meus e me deparo com o abismo do querer ser - a pronúncia desgarrada do abandono. Uma vez tomada a consciência o destino é certo, a dor é inigualável e a prosa amarga. Tomo doses diárias de versos de coragem para seguir em passos lentos o destino certo - o fim - incerto do tempo, nesse lugar em que as horas já não são mais horas e tudo passa vagarosamente. O queimar das velas é aguado, a água perfura os pulmões em brasa, o vento acaricia a poeira do ontem. Poesia é presença, aparição, presente, oferenda desnivelada das pretensões humanamente passageiras. Arte é estar.

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