sábado, 5 de outubro de 2013

Insolitus

 Um banco vermelho no meio da praça denunciava as ilusões filtradas pelos próprios olhos. Ali, aquele banco, aquela vermelhidão indecente, era o único ponto de cor do ambiente. Ao redor, apenas folhas secas salpicadas em cima da grama queimada de sol, de uma cor ocre e das mais variadas formas, como rudes lembranças de um passado distante. 
 Crianças brincavam em preto e branco, em uma espécie de languidez eterna, que fazia doer o âmago por antecipação. Suas brincadeiras tão sem propósito faziam ecoar risadas tristes e ilusórias que invadiam os sentidos dos poucos presentes. Uma mulher olhava essas crianças com uma careta de preocupação maternal, limpando delicadamente o suor de sua tez com um lenço que outrora fora branco - agora é tão amarelado quanto os dentes do homem que a observava. Ele conseguia, de forma discreta e invisível, analisar cada impulso elétrico que fazia seu corpo tomar viço. Ele a olhava, com a boca salivando, a língua percorrendo seus próprios lábios secos pela bebida que ele tomava a grandes goladas de um recipiente metálico com um símbolo preto desenhado, como se fosse a união de pequenas aranhas com as patas quebradas. Um sorriso se formou em seus lábios sujos como um beco abandonado, escuro como sua alma petrificada. 
 De longe, uma câmera memorizava os passos do voyeur de terno preto e um cravo no rebuço. Uma câmera que piscava os olhos a cada soprar do vento quente, em uma dança sonolenta e atenta de quem já não aguenta mais a solidão. Sacudiu as fotos que saíam da máquina e guardou-as na pasta de couro. Um riso foi engolido, assim como sua fé inexistente.
 Eu olhava todos enquanto levava o copo d'água à boca macia, silenciosa e rubra. Guardei o bloco de anotações. Nomes anotados, fantasmas criados nesse jogo de adivinhação. Nesse jogo de espelhos, é melhor esquecer que a observação é ato constante. 

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