A faísca, espetada, ondulou em redemoinhos de desilusão
dentro de seus olhos. Pedaços de pano rasgados estavam artisticamente
espalhados pelo chão arranhado pelos móveis pesados. O rastro líquido cintilava
à luz artificial da sala de estar e era um belo convite para um raso mergulho
do aroma terno e amargo do querosene. Espiou de soslaio a porta encostada, emitiu um grunhido animalesco e permeado de ódio, deixando escorrer pela
lateral da boca um filete esbranquiçado de saliva entardecida, que logo foi
espalhado com um movimento horizontal feito pelas costas da mão. Continuou
sua empreitada com voracidade, enquanto seu cerne borbulhava os mais incontidos
desejos e sua mente balbuciava solenemente. Ficou de cócoras, pincelou o dedo
indicador no fluido amarelado e levou ao nariz – fechou os olhos e um sorriso
irônico se alastrou por seus sentidos. Levantou com certa dificuldade, sentiu a
deliciosa sinfonia do sutil estalar de seus ossos antigos, afastou seu corpo
esguio e putrefato do aposento, não sem antes retirar do bolso uma pequena caixa
de fósforos. Levou-a aos ouvidos – era movido pela sinestesia anestesiante de
qualquer objeto – e hesitou um bocado antes de se permitir abri-la. Quando
finalmente caiu em si, seu corpo era muralha incandescente, e ele, em uma
satisfação insana, contemplava a si mesmo fora de seu âmago, e se regozijava
com o crepitar de sua pele sendo purificada.
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