sábado, 7 de dezembro de 2013

Crepitar sinfônico

 A faísca, espetada, ondulou em redemoinhos de desilusão dentro de seus olhos. Pedaços de pano rasgados estavam artisticamente espalhados pelo chão arranhado pelos móveis pesados. O rastro líquido cintilava à luz artificial da sala de estar e era um belo convite para um raso mergulho do aroma terno e amargo do querosene. Espiou de soslaio a porta encostada, emitiu um grunhido animalesco e permeado de ódio, deixando escorrer pela lateral da boca um filete esbranquiçado de saliva entardecida, que logo foi espalhado com um movimento horizontal feito pelas costas da mão. Continuou sua empreitada com voracidade, enquanto seu cerne borbulhava os mais incontidos desejos e sua mente balbuciava solenemente. Ficou de cócoras, pincelou o dedo indicador no fluido amarelado e levou ao nariz – fechou os olhos e um sorriso irônico se alastrou por seus sentidos. Levantou com certa dificuldade, sentiu a deliciosa sinfonia do sutil estalar de seus ossos antigos, afastou seu corpo esguio e putrefato do aposento, não sem antes retirar do bolso uma pequena caixa de fósforos. Levou-a aos ouvidos – era movido pela sinestesia anestesiante de qualquer objeto – e hesitou um bocado antes de se permitir abri-la. Quando finalmente caiu em si, seu corpo era muralha incandescente, e ele, em uma satisfação insana, contemplava a si mesmo fora de seu âmago, e se regozijava com o crepitar de sua pele sendo purificada. 

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