domingo, 5 de abril de 2015

O outro lá fora

 Ela se sentou na cadeira mais próxima da escada com poucos degraus. Ao redor, quadros delicados, bibelôs singelos, flores coloridíssimas em garrafas esverdeadas, Coltrane tocando ao fundo, umas taças de vinho tinto e cheirinho de chá de camomila eram sentidos. No balcão toda sorte de quitutes era vista: bolos de fubá com erva doce, doce de leite em pequenos cubos, raspas de laranja cristalizadas e cachaça para quem quisesse se servir. Apreciava esses lugares em que a simplicidade dava o ar da graça e a sofisticação ficava por conta da clareza e do silêncio. Do outro lado da rua, uns cachorros caminhavam atrás de uma mulher muito suja e solitária. Eles iam sem se questionar o por quê e ela ia sem olhar para trás. Sentiu um calafrio percorrer a espinha e respirou. Engraçado quando é possível sentir ser o outro por um segundo e então apreciar ser o que se é de fato sem reclamar. Algumas visões são tão empáticas e egoístas - por que não? - que sair de si por um segundo é estar no inferno e voltar. Respirou e voltou a si e às taças bem dispostas, aos pratos cheios de comida e aos livros arrumadinhos na estante perto da saída. Era bom voltar a ser quem nunca havia sido até notar quem não era. 

Um comentário:

  1. Uau, Julia. Uau.
    De fato, algo muda dentro da gente quando algo que costumo chamar de gratidão nos invade. Uma espécie de catarse, talvez com um quê de alienante, mas o que é que se há de fazer? Mudar o mundo é bem mais difícil do que eu pensava ser quando criança. Talvez a literatura tenha as respostas, ou melhor ainda: PISTAS para encontrarmos um caminho possível.

    Fico no aguardo da próxima nuvem pra poder correr atrás. ;)
    Ah! Mudei de casa: www.artezanni.wordpress.com

    Beso!

    Abraçaço!

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