“Não sou daqui.”, disse ela, abaixando os olhos, o tom de
voz diminuindo no finalzinho da frase, o sorriso hesitante e as mãos segurando
o portão para que em seguida eu passasse. Eu senti uma verdade tão grande em
uma frase tão simples, logo completada com “Você sabe pra que lado pego o
metrô?”. Eu, mais perdida do que cego em tiroteio (que os cegos me perdoem por
serem sempre colocados em situações de risco nas frases), disse que não, e
segui meu caminho novo. Novo sim, porque nem eu sabia voltar pra casa direito,
e como eu poderia ajudá-la? Não me despedi, nem a conhecia, e talvez nunca mais
a veja. Só que ainda me lembro de seus cabelos castanhos em um coque, lembrando
um doce confeitado de padaria, seus olhos hesitantes, seu rosto sem maquiagem,
sua roupa casual e seus chinelos brancos de dedo. Algo naquele olhar esverdeado
me lembrava de alguém que finjo não ser durante o dia. Alguém que pergunta pra
onde ir em cima da hora, sem planejar antes, sem preocupações – ela não parecia
nada além de cansada. O que havia feito no dia anterior? Teria ela trabalhado
até mais tarde na sexta-feira? Ou ela teria cuidado da sua avó doente e
esquecida? Teria ela tirado as roupas do armário e retornado a guarda-las? Ou
teria apenas adormecido em cima de seus livros da faculdade? Vai saber, mas
ainda vou descobrir, ao encostar a cabeça no travesseiro, onde ela vai em seus
sonhos antes de acordar tão sublime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário