sábado, 26 de janeiro de 2013

Sublime


  “Não sou daqui.”, disse ela, abaixando os olhos, o tom de voz diminuindo no finalzinho da frase, o sorriso hesitante e as mãos segurando o portão para que em seguida eu passasse. Eu senti uma verdade tão grande em uma frase tão simples, logo completada com “Você sabe pra que lado pego o metrô?”. Eu, mais perdida do que cego em tiroteio (que os cegos me perdoem por serem sempre colocados em situações de risco nas frases), disse que não, e segui meu caminho novo. Novo sim, porque nem eu sabia voltar pra casa direito, e como eu poderia ajudá-la? Não me despedi, nem a conhecia, e talvez nunca mais a veja. Só que ainda me lembro de seus cabelos castanhos em um coque, lembrando um doce confeitado de padaria, seus olhos hesitantes, seu rosto sem maquiagem, sua roupa casual e seus chinelos brancos de dedo. Algo naquele olhar esverdeado me lembrava de alguém que finjo não ser durante o dia. Alguém que pergunta pra onde ir em cima da hora, sem planejar antes, sem preocupações – ela não parecia nada além de cansada. O que havia feito no dia anterior? Teria ela trabalhado até mais tarde na sexta-feira? Ou ela teria cuidado da sua avó doente e esquecida? Teria ela tirado as roupas do armário e retornado a guarda-las? Ou teria apenas adormecido em cima de seus livros da faculdade? Vai saber, mas ainda vou descobrir, ao encostar a cabeça no travesseiro, onde ela vai em seus sonhos antes de acordar tão sublime.

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