Sou
uma ideia pairando no ar, apenas um amontoado de palavras e imagens flutuando
no éter infinito da ignorância. Meu desassossego é viral e silencioso – uma
cãibra constante que me persegue desde o momento em que a consciência da vida
me pegou pelos pés da inconstância e me puxou para o abismo da inexistência.
Minha realidade existe nas palavras e o ato poético é uma corrente que me
envenena e alivia a vista do tédio e da falta de perspectiva.
Narizes,
bocas e olhos me entediam. Não consigo conceber a ideia de o nariz estar no
lugar exato que ocupa e da boca não estar invertida com os olhos – me agrada
muito olhar para baixo sem precisar dobrar tanto o pescoço, gesto esse que me
causa uma sensação de dor. Sensação essa que nunca descubro se é real ou existe
porque quero que exista. Eu me invento tanto que perco o fio da realidade e me
despeço das pessoas, das coisas e dos sonhos que já até esqueci. Sou alma
isolada, ilha perpétua e sofro a dor da consciência. Pensar é não viver e
porque penso vivo numa corda fina e bamba a caminhar por horas e horas sem
cair. Não caio pelo simples motivo de não compreender a ideia da queda e isso
me mantém de pé sonambulamente sofrendo uma dor que não é minha.
Tomar
consciência do que se faz é um pedido de parada. Quando corro, meus pés
inchados e quentes pelo atrito fazem repetidos movimentos que me impulsionam
para frente, meus braços relaxados se movem como desejam – não os prendo de
maneira alguma. Olho para frente e folhas e mais folhas de um livro aberto são
lidas para mim mesma – poemas sujos e
bordados de incertezas. Eu continuo. Não penso no que estou fazendo e não sinto
dor alguma. É só por algum segundo retomar a consciência num despertar
monstruoso que meus pés ardem, as pernas imploram para interromper, os braços e
ombros queimam e a cabeça pende para o infinito chão asfaltado. Eu choro e continuo.
Continuo chorando e correndo e respirando e botando um pé na frente do outro.
Um pé na frente do outro. Outro pé na frente do outro. Respire e expire. Solte
os antebraços. Não retese os ombros. Continuo.
Um, dois, três quatro. Arde. A vida arde tanto e nem todos tem a coragem
de parar. Interromper é um ato de coragem. A morte é um ato de coragem. É muito
mais fácil continuar em movimento, apesar do cansaço, do que lidar com a parada
e o recomeço das ações
da vida comum. A corrida é uma tortura que me tira todas as forças e me tira
todas as sensações
de viver estando viva. Mecanicamente se eu me permitir. E eu me permito sentir
a dor até não aguentar mais existir numa redoma de vidro contaminada pela
normalidade e pelos pensamentos repetidos. Eu escuto todos os pensamentos ao
meu redor e tento fazer com que as pessoas parem de pensar tanto e ao mesmo
tempo. Se vocês continuam eu enlouqueço. Febril eu fico enquanto uns contam em
mente, outros planejam viagens e tantos outros fazem promessas que só vão
cumprir caso os santos encontrem um objeto perdido, que geralmente é uma chave
ou um brinco perdido do seu par. Nós somos todos brincos perdidos dos nossos
pares porque alguém decidiu inventar que sozinhos ficaríamos solitários. Somos
solitários em companhia e seja lá como for. Estaremos sempre sozinhos na
consciência e as companhias que nos rodeiam só querem esquecer que apenas
esperam sentadas, de pé ou caminhando pela morte. Morte. Nunca temi ouvir e
pronunciar essa palavra. Nunca entendi o medo que tantos tem dela. Eu tenho
medo do tédio que me cerca diante de mil atividades que preenchem meu dia e
deveriam dar conta da minha espera silenciosa, mas não há maneira de fugir uma
vez que já entendi o que faço aqui. Busco sentido em todos os terços, tambores,
incensos, defumadores, imagens, livros e só a escrita me salva e mata aos
poucos. É um veneno do qual eu não posso fugir porque fugir é decretar a
sentença de morte. E ainda não morri – ou é ao contrário?
Nenhum comentário:
Postar um comentário