quarta-feira, 25 de março de 2015

Quixoteando

 Caminho pelas ruas do meu bairro, pelas ruas dos bairros que não habito e pelas ruas que desconheço tanto quanto não pertenço. Minha passada é descompassada, ora mais depressa, ora mais devagar, e não há padrão para obedecer, apenas mantenho um ritmo inexistente. Olhos esguios penetram pelas janelas abertas das casas alheias, todas pintadas de um tom diferente, umas com vasos de flores, outras com vista para as televisões ligadas na sala de estar. Eu queria estar ali, em cada uma dessas casas. Meus períodos são tão curtos quanto meus passos e tento alongá-los ao máximo até que me canso de ler linhas longas e as enfeito com um ponto - final? Voltando, eu queria estar ali, em cada uma daquelas casas, onde o conforto exala cheiro de café à tarde, café de todas as qualidades, de todas as intensidades e aromas. Meu impulso inicial é de me convidar para entrar e sentar no sofá perto de uma senhora qualquer e engatar uma conversa gostosa até o cair da tarde, momento esse no qual eu pediria licença e levantaria deixando a xícara e o pires na mesinha de centro e meu coração em mais algum lugar do mundo. Eu me apego às sensações antes de serem sentidas e quando as sinto elas se esvaem feito vapor no espelho do banheiro após um banho quente. Eu perco o fio da razão porque eu vivo literatura vinte e quatro horas por dia - ou seria trinta? Ficção é nomear o mundo e eu vivo ficção, respiro ficção, sou ficção ao dizer meu nome para um estranho na livraria. A literatura é meu sentido de existência e pauto minha vida somente em satisfazê-la integralmente, embora a inércia algumas vezes me pegue pelo pé da preguiça e eu me esvaia em fiapos de ócio improdutivo olhando para o teto. Outras vezes, em dias Quixotescos, saio pelas portas laterais e folheio todos os livros que estão ao meu alcance ao mesmo tempo na mente. Queria eu ter a possibilidade de tornar palavra as sensações que me assaltam no meio da rua e me fazem perder o compasso nunca antes tido. A loucura reside na apropriação das palavras e no sentir sem fim. Eu sinto. Muito. 

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