segunda-feira, 28 de abril de 2014
Nu oprimido
sábado, 26 de abril de 2014
Para Marluci
quinta-feira, 24 de abril de 2014
The scarlet letter
terça-feira, 22 de abril de 2014
Aweté
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Um segundo a mais
terça-feira, 15 de abril de 2014
Ode ao rascunho
quinta-feira, 3 de abril de 2014
(Para)fluxo
No caminho para casa me deparei com o ir e vir desconhecido. Um homem trôpego, com uma sacola plástica vermelha na mão, agachava de metro em metro para revirar o lixo jogado na rua. Enquanto ele se movia para frente – acreditava eu que assim era o fluxo -, eu duvidava. Estaria ele andando para frente ou para trás?
Continuei meu fluxo descontínuo de passadas descompassadas. Sem óculos, eu visualizava apenas sombras e luzes duplicadas. As sacolas brancas jogadas no canto eram gatos, os homens eram mulheres, as mulheres eram paredes, os sorrisos eram espumas ácidas, a aproximação uma afronta, os letreiros lembravam um bordel qualquer.
Minha sobrancelha direita arqueada dizia tudo e não dizia nada. Para quem? Quem passasse nem repararia na minha vista torta, no meu tronco deslocado, na minha fronte franzida. Eu era toda tensão. Cada pulsação era uma tremedeira quietamente imprecisa. Os calafrios se intensificavam da nuca até a parte interna da coxa. Filetes quentes de suor emanavam. Gotas escorriam do rosto e caíam entre os seios desnudos. Desnudos? Estava nua. No meio da calçada, descalça. Minha vestimenta de suor corria meu corpo embalando-o em rancor de indecisão. A cor cinza dos muros, as propagandas descoladas, o andar desengonçado do bêbado, a sujeira no canto da porta do vizinho, o liquidificador estridente, a caneta estourada que escorria pela bolsa marrom, o sangue que vinha de dentro para fora até a panturrilha fatigada, as olheiras lilases, a barba mal feita, os dentes tortos, a nota fora de tom, a cor misturada e apagada na tela, a bateria descarregada, as formigas lentas indo vindo voltando pelo armário branco da cozinha escura, a fresta da porta mal encostada, o sol batendo nos olhos de manhã. Tudo me causava incômodo e prazer, gostava do mal arrumado, do mal acabado, do inacabado, do amorfo, do vazio, do estufado.
Estava nua. Respiração entrecortada. Suor. Lençóis molhados. Sol batendo na cara. A fresta da porta deixando um cheiro acre penetrar o ambiente. Um bordel qualquer. Eu era a puta silenciosa. A puta cega. A puta que se contorcia de dor. A puta efêmera. A virgem brumosa. A virgem falsa. A virgem que se escondia em si mesma. Eu era o que dissesse ser. Eu seria.
Tic.Tac.Tic.Tac. Tamanha prepotência convencionar o convencionado através do som que ele sequer possui. Percepção inútil. Mais inútil era mirar o relógio às três da tarde e constatar que ainda havia tempo de sobra. Havia o tempo e ele não era aquele caminho percorrido pelos ponteiros – eu não o possuía também. Havia o tempo e ele se esvaía entre meus poros dilatados. Havia sim, e eu o perdia, algumas vezes pouco a pouco, outras numa torrente só. Não lamentava. Adiantaria perdê-lo mais um pouco em troca de algumas cascatas para molhar a face? Não, não e sim. Talvez. A possibilidade não é dádiva alguma, ela é uma escolha mental, é uma abertura de espírito, uma insanidade momentânea, um devaneio de fim de dia. É permitir-se ser o que não se é, no presente. O passado é pó, é pó desfeito, é espirro que se foi na cara alheia, é incômodo que se limpa com a palma da mão e se sacode para os lados. O passado pode ser, não necessariamente foi. Aos amargurados eu vos digo: reinvente-o. Quantas vezes forem necessárias. O passado é um monte de esterco que só serve para mudar e mudar e mudar e ser jogado no lixo outra vez. É preciso se jogar no lixo, aquela casca fina e quebradiça. É preciso morrer. É preciso nascer da morte inexistente e se esgueirar pelas beiradas do precipício. O risco é. O ser humano pode ser.